quarta-feira, 10 de março de 2010

Acostumando a se acostumar

As palavras muitas vezes são reagrupadas, mas o ponto de partida é o mesmo, a idéia principal é a mesma, por que não arriscar dizer que o sentimento inicial é o mesmo? Pois afinal uma forma eficaz de se expressar é o agrupamento de palavras, é o famoso "dar asas à imaginação". Pode ser de Marina Colasanti ou John Ulmoa o agrupamento, mas elas estão ali, tentando materializar o cotidiano humano (cotidiano muitas vezes parecido com o nosso, não?).
Segundo Ulmoa: " A gente se acostuma com tudo, a tudo a gente se habitua". Pois é, assim como ele me habituei ao pão light, ao salto alto e até ficar sem tv. Me acostumei sem querer. E assim como Marina Colasanti "eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia". E aqui faço uso dos agrupamentos dela, pois a gente se acostuma a morar em apartamentos maiores do que precisamos e a não ter outra vista que não as janelas de famílias ao redor. Logo se acostuma a não olhar para fora. Nem mesmo a ausência de cortinas para abrir facilita o olhar, pois a gente se acostuma.
A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque os cinco minutos da soneca passaram como cinco segundos. A tomar pó sabor chocolate com água no liquidificador porque poupa uma refeição, e dizem que até calorias. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A deitar tarde e acordar cedo sem ter sentido a noite.
A gente se acostuma a sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a fazer fila para pagar.
A gente se acostuma a andar na rua às pressas e nem mais perceber cartazes. A abrir as revistas sem ter tempo de ver os anúncios. A ligar a televisão para nos fazer companhia.
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer, por não ter outro jeito. Em doses pequenas, tentando não perceber, vamos afastando uma dor aqui, um pensamento ali, uma revolta acolá. Se o apartamento é grande, a gente se consola pensando que há mais espaço para se espalhar. Se os cinco minutos da soneca são poucos, a gente se consola com os cinco minutos da próxima manhã. Se o pó sabor chocolate passa longe do cacau, a gente se consola pensando no frango grelhado com salada do almoço. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana chover o tempo todo a gente vai dormir cedo e ainda fica feliz porque tem sempre sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na tristeza, para preservar a pele! Se acostuma para evitar feridas. A gente se acostuma para poupar a vida. Muitas vezes a gente se acostuma porque não tem outro jeito.

Um comentário: